terça-feira, 13 de novembro de 2012

Religiões Afro-Brasileiras e Ética Ecológica: ensaiando aproximações.


Antonio Giovanni Boaes* 
Rosalira dos Santos Oliveira**


RESUMO: O presente trabalho aborda a relação entre as concepções de natureza presentes na tradição religiosa afro-brasileira e as diferentes perspectivas atuantes no movimento ambientalista. Partindo das conclusões de uma pesquisa realizada nas cidades de Recife e João Pessoa, o artigo analisa o modo como é percebida a relação entre a natureza e a religião na concepção dos adeptos, focalizando, particularmente, as diferentes formas de identificação entre as divindades e a natureza e a (possível) contribuição da cosmovisão religiosa afro-brasileira para a constituição de uma ética ecológica.

PALAVRAS-CHAVE: Religiões afro-brasileiras; ambientalismo; ecoética
ABSTRACT: This paper addresses the relationship between the conceptions of nature found in african-Brazilian religious tradition and the different perspectives that work in the environmental movement. Starting from the conclusions of a research conducted in the cities of Recife and Joao Pessoa, the article examines how it is perceived the relationship between nature and religion from the point of view of its adepts focusing, in particular, the different ways of conceiving the relationship between deities and nature and the (possible) contribution of african-Brazilian religious worldview to form an ecological ethic.
KEYWORDS: African-brazilian religions, environmentalism, ecoethic.


1. Introdução:


No centro da discussão ecológica o tema dos valores e da perda da dimensão do sagrado associado à natureza tem sido constantemente trazido à tona. Para alguns pensadores, a recuperação desse sentimento de reverência em relação ao mundo natural constitui uma condição necessária para a mudança da sociedade do consumo predatório para uma sociedade sustentável. Na opinião de José Augusto de Pádua, por exemplo, a perspectiva ecológica para ser realmente capaz de modificar valores e comportamentos, necessitaria “radicar-se num Ser superior aos homens, um Ser que se identifique com essa ordem cósmica, seja qual for o nome que se lhe dê. Quer se trate de uma natureza divinizada, de um novo mito, Gaia ou o próprio Deus, a presença desse Ser é fundamental para radicar essa nova ética”. (PADUA, 1992, p. 60). Para este pensador ecologia e espiritualidade são intimamente relacionadas, uma vez que, através da ecologia, o indivíduo é capaz de chegar à percepção de que a natureza possui um movimento unificador e que este movimento sendo espiritual, pode ser escutado.
O reconhecimento de uma dimensão espiritual intrínseca à postura ecológica (ou pelo menos a algumas de suas vertentes, como é o caso da ecologia profunda1) tem levado tanto ambientalistas quanto alguns adeptos das religiões afro-brasileiras a apresentá-las como sendo “religiões essencialmente ecológicas”. Esta atribuição se baseia na inegável importância que assume a natureza dentro do pensamento e das práticas religiosas dos cultos afro-descendentes, marcados pela necessidade que os terreiros têm da natureza como parte integrante de seu universo, dos rituais e da própria identidade dos seus deuses, o que gera um sentimento de respeito, dependência, integração, e ao mesmo tempo, de submissão para com ela.
Entretanto, a relação entre a tradição religiosa afro-brasileira e uma possível “consciência ecológica” não é tão automática, como possa parecer à primeira vista. Afinal, como lembra Santos,2 “comungar de uma tradição religiosa que professa seu respeito às forças da natureza, nem sempre representa dispor já, de uma consciência ambiental”. Desse modo, os mesmos adeptos apresentados por alguns ecologistas como paladinos do pensamento ecológico podem também serem vistos por outros como poluidores da natureza, graças às suas práticas religiosas particularmente o sacrifico animal e a entrega de oferendas às divindades em áreas verdes ou em áreas de preservação ambiental. Assim, as religiões afro-brasileiras e seus praticantes ora são vistos como “ecologistas espirituais” ora como “degradadores do meio ambiente”, dependendo da ótica pela qual estão sendo analisadas. Este artigo busca situar-se nesta discussão partindo da análise sobre o modo como é percebida a relação entre a natureza e a religião na concepção dos adeptos. Para tanto nos baseamos nas conclusões da pesquisa intitulada “Kossi ewé, kossi orixá: percepções sobre a natureza entre adeptos das religiões afro-brasileiras em Recife e João Pessoa”, realizada entre os anos de 2008 e 2010. Partindo das reflexões suscitadas pelo material obtido durante o trabalho de campo abordamos dois aspectos dessa temática, a saber: a relação entre as divindades e a natureza e a (possível) contribuição da cosmovisão religiosa afro-brasileira para a constituição de uma ética ecológica.

2. Sobre a Natureza dos Deuses da Natureza

Um dos nossos objetivos neste artigo é discutir sobre a identidade dos deuses das religiões afro-brasileiras. Entretanto, não é interesse nosso recorrer à cosmogonia iorubana apresentada pelos consagrados autores,3 interessa-nos perceber como os próprios adeptos recriam estas histórias, atribuindo significatividade à relação entre seus deuses e a natureza.
Para os agentes, a marca diacrítica da identidade dos orixás é o fato de serem africanos e estarem relacionados diretamente à natureza. Daí se destacam duas maneiras principais de representá-los: ora estes aparecem como sendo a própria natureza, ora se diferenciando e ligando-se a ela numa relação de posse. Ressaltamos que não localizamos marcas do discurso que caracterizem a concepção de uma dissociação completa entre orixás e natureza, de modo que pudessem ser interpretados a partir de uma identidade antropocêntrica “pura”; isso se aplica inclusive à umbanda, onde o sincretismo ainda é forte e orixás são identificados com santos católicos.
A indissociação entre os orixás e a natureza pode ser sentida, a começar pelo lugar onde eles habitam. A concepção de um “céu” fora deste mundo não parece ter significado no discurso dos adeptos. Os orixás habitam os sítios considerados seus domínios, o que nos leva a pressupor que se existe um “céu”, ele está aqui mesmo na terra.
Nas mitologias veiculadas pela literatura acadêmica, a cosmogonia dos iorubas apresenta uma divisão entre dois espaços o orun4 e o aiê. Alguns interpretaram o primeiro como o equivalente do “céu” cristão, sendo que o aiê corresponderia à terra. Contudo, Verger alerta para o fato de que o orun não pode ser confundido com o céu cristão, diz o autor:
Algumas tradições pretendem que Òrun não esteja situado no céu mas debaixo da terra. Há, efetivamente, em Ifé um lugar chamado Orun Oba Adó, onde haveria “dois poços sem fundo que os antigos diziam ser o caminho mais curto para o além”.
Este Òrun é o além, o infinito, o longínquo, em oposição ao ayé, o período de vida, o mundo, o aqui, o concreto.
É no Òrun que habitam os mortos, os ará Òrun, que voltam periodicamente ao mundo, ayé, para se tornarem novamente seres vivos, ará ayé. “Esse além assemelhar-se-ia à terra, porém triste e lúgubre.” As almas apressar-se-iam em voltar para a terra, para a mesma família, da qual alguns membros usam o nome de Babatúndé ou o de Ìyátúndé, o que significa “o pai ou a mãe voltou”. Estamos longe do céu paradisíaco e macio dos cristãos e muçulmanos [grifos nossos].
Os próprios deuses não parecem felizes em seu desterro no Òrun- além, e durante as cerimônias realizadas em seu louvor apressam-se em voltar à terra, encarnando-se nos corpos em transe de seus descendentes que lhes são consagrados.
A idéia de que o Òrun-além está situado embaixo da terra é comprovada durante as oferendas aos orixás, quando o sangue dos animais sacrificados é derramado no ojúbo, um buraco cavado na terra, em frente ao local consagrado ao deus, e os olhares se voltam para o chão e não para o céu (VERGER, 1981, p. 22).5
Percebemos, vale destacar, inclusive que a nomenclatura ou sistema classificatório orun-ayé é algo mais utilizado pelos adeptos como discurso para fora do que uma realidade vivida nos terreiros. Conforme um adepto “... todo local onde houver natureza há orixá”... (Não se identificou, p. 12)6. Além disso, algumas concepções êmicas acreditam que os orixás habitam a África e quando se realiza um ritual, os tambores vão até lá buscá-los. Obviamente que estar na África significa também estar na natureza, nos sítios naturais africanos. Há ainda a concepção de que os orixás estão adormecidos na natureza, eles só se tornam ativos quando o gesto humano, através do ritual religioso os desperta para habitarem a cabeça de algum filho que está sendo feito. Além da cabeça do filho, o processo de feitura “assenta” o orixá numa pedra chamada otá. Desta maneira, o orixá pode se encontrar na natureza, especialmente no domínio que lhe cabe, numa África distante, na cabeça do filho e nos assentamentos existentes no próprio terreiro, tal como ratificou uma ialorixá ao dizer “meus orixás estão na minha casa como na mata” (Mãe Luana/João Pessoa, p. 256). Sem dúvida, estas concepções estão muito longe da concepção de céu cristão.
Analisando a relação em pauta (natureza/orixás), criamos duas categorias ou grupos semânticos para organizar os significados das falas: o da “identificação” e o da “diferenciação”. No primeiro, destacaremos em negrito as marcas do discurso que remetem para a identificação entre orixás e natureza, e no segundo, sublinharemos as que remetem para a diferenciação. Neste último caso, a “diferenciação” se dá pela posse dos orixás sobre a natureza.

Quadro 01 – Grupo semântico da “Identificação” 7

Identificação

Falas e marcas do discurso


Orixá = Natureza
“E na verdade ele criou todos os deuses: Iansã vento, Oxum água, Iemanjá salgada, Ogum elemento do ferro”. (p. 39)
“Nós
adoramos a natureza”. O que fere a natureza fere o nosso deus. (p. 40)

“Sobre a questão do fogo, da terra, da água, do ar, nós somos cultuadores desses elementos... são quatro. Até no nosso calendário na Nigéria o calendário nosso antes do calendário ocidental era feito com quatro dias. Esses quatro dias era colocado em cima de quatro veja, quatro, cada dia desse representava água, um dia representava o fogo, um dia representava o ar e o outro dia representava a terra.” (p. 49)
“O candomblé é os orixás, é a natureza, é o sol, é a lua, é o rio, o mar, as flores, as folhas, como vocês estão vendo.” (p. 56)
“... o orixá é um todo, somos nós todos aqui,
é a natureza, é tudo, é o meio-ambiente”. (p. 114-5)

“Quando a gente fala... a gente realmente respalda a condição se você não entende e não conhece folha, você não conhece orixá. A afirmativa é essa. Em verdade nós não dependemos só do elemento ewe para existirmos. Não é só a folha que faz o orixá, é a água, é o vento, é o fogo e outros elementos” (p.120)

“Orixá é natureza, então quando se inicia uma pessoa, levo ele para ver o mar, levo ele para ver o rio, levo ele para ver a mata, a montanha, o verde, porque isso é que faz parte, é para ele aprender a respeitar a natureza e ter respeito ao que ele recebeu” (p. 167)
“... nós somos verdadeiros adoradores da natureza, não acreditamos em demônio. Isso é visão do cristianismo. Kossi ewe, kossi orixá, sem folha não temos nada. Não tem ritual, num tem nada. Nenhum filho tem permissão em tirar folha à qualquer hora, existe o momento certo, se eu pegar algum filho meu desobedecendo eu quebro a cara dele. Oxum que me deu essas matas, essas águas como irei destruir? Eu não sou louca.” (p. 256)
“Eu nunca duvidei da nossa relação com a natureza, minha mãe já falava: „olhe meu filho observe sempre o que te envolve, preserve a natureza, ela é seu orixá‟. E é isso que eu falo também, orixá é natureza, é planta, é folha, é os rios, é o mar e tudo que tá no meio ambiente. Nossa religião sempre cultuou a natureza, ela precisa desse meio ambiente para existir. Sem poder adorar essa natureza, não poderei ter axé na minha casa”. (p. 258)
“O orixá não é somente daqui ou de lá, mas o orixá reina em todo o planeta. Então, todo local onde houver natureza, há orixá”... (p. 12)


Orixá = Natureza
“E na verdade ele criou todos os deuses: Iansã vento, Oxum água, Iemanjá salgada, Ogum elemento do ferro”. (p. 39)
“Nós adoramos a natureza”. O que fere a natureza fere o nosso deus. (p. 40)
“Sobre a questão do fogo, da terra, da água, do ar, nós somos cultuadores desses elementos... são quatro. Até no nosso calendário
na Nigéria o calendário nosso antes do calendário ocidental era feito com quatro dias. Esses quatro dias era colocado em cima de quatro veja, quatro, cada dia desse um representava água, um dia representava o fogo, um dia representava o ar e o outro dia representava a terra.” (p. 49)
“O candomblé é os orixás, é a natureza, é o sol, é a lua, é o rio, o mar, as flores, as folhas, como vocês estão vendo.” (p. 56)
“... o orixá é um todo, somos nós todos aqui,
é a natureza, é tudo, é o meio-ambiente”. (p. 114-5)

“Quando a gente fala... a gente realmente respalda a condição se você não entende e não conhece folha, você não conhece orixá. A afirmativa é essa. Em verdade nós não dependemos só do elemento ewe para existirmos. Não é só a folha que faz o orixá, é a água, é o vento, é o fogo e outros elementos” (p.120)
“Orixá é natureza, então quando se inicia uma pessoa, levo ele para ver o mar, levo ele para ver o rio, levo ele para ver a mata, a montanha, o verde, porque isso é que faz parte, é para ele aprender a respeitar a natureza e ter respeito ao que ele recebeu” (p. 167)
“... nós somos verdadeiros adoradores da natureza, não acreditamos em demônio. Isso é visão do cristianismo. Kossi ewe, kossi orixá, sem folha não temos nada. Não tem ritual, num tem nada. Nenhum filho tem permissão em tirar folha a qualquer hora, existe o momento certo, se eu pegar algum filho meu desobedecendo eu quebro a cara dele. Oxum que me deu essas matas, essas águas como irei destruir? Eu não sou louca.” (p. 256)
“Eu nunca duvidei da nossa relação com a natureza, minha mãe já falava: „olhe meu filho observe sempre o que te envolve, preserve a natureza, ela é seu orixá‟. E é isso que eu falo também, orixá é natureza, é planta, é folha, é os rios, é o mar e tudo que tá no meio ambiente. Nossa religião sempre cultuou a natureza, ela precisa desse meio ambiente para existir. Sem poder adorar essa natureza, não poderei ter axé na minha casa”. (p. 258)
“O orixá não é somente daqui ou de lá, mas o orixá reina em todo o planeta. Então, todo local onde houver natureza, há orixá”... (p. 12).

Quadro 02 Grupo semântico da “diferenciação”
Diferenciação/alteridade
Falas e marcas do discurso

Orixás são donos da Natureza
(relação de posse) Implica uma diferenciação entre o possuidor e o possuído
Orixás são donos de plantas, folhas (p. 35 e 36) “Cada divindade tem suas ervas e folhas particulares dotadas de virtudes de acordo com a personalidade do deus” (p.36)
“... eu choro muito e eu fico muito angustiada quando eu não
choro porque a gente é muito adorador de santo, de orixá e tudo está ligado muito à natureza”. (p. 121)

“Olhe esse negócio de acender vela na mata é crendice popular... eu acendo minha vela em casa! Não preciso acender na mata... meus orixás estão na minha casa como na mata! [...] Se eu queimar a casa de Oxossi, não vai mais ter mata! Você gostaria que alguém queimasse a sua casa!? [...] Minha mãe Estela de Oxossi nunca admitia isso, ela sabe da importância das matas para a nossa religião!” (p. 256)
“Todos tem de fazer a sua parte, só assim é que podemos salvar as folhas e a casa de Oxossi”. (p. 260)

Diante da primeira relação: orixá = natureza, podemos associar a sua existência a traços das culturas africanas que vieram para o Brasil, onde os povos agricultores mantinham uma relação de adoração e sobrevivência com a floresta, a terra, os rios etc. O principal efeito de sentido ocorre pela igualdade entre os dois lados da relação: orixá é natureza, o que do ponto de vista da construção de vários significados e de ações, tem como máxima “moral” a de que tudo o que se fizer para e pela natureza se estará fazendo para e pelo orixá. Assim, a homologia que se localiza subjacente às falas justifica as afirmações do tipo: “natureza é sagrada”, “adoramos a natureza”, “preservar a natureza é preservar o orixá” recorrentes nas entrevistas.
Diante da segunda possibilidade apresentada, qual seja, a que envolve uma distinção entre natureza e orixá, e na qual a ligação entre os dois se dá pela relação de posse, surge uma questão para a interpretação: seria essa disjunção uma consequência do processo de antropomorfização sofrido por estas religiões? Segundo Nina Rodrigues (2005), primeiramente, em África elas eram animistas e se caracterizavam pela adoração dos elementos da natureza, prevalecendo a fitolatria e a litolatria. Paulatinamente, os deuses foram ganhando personalidade distinta e cada vez mais se aproximando das feições humanas. Frazer (1952) também descreve os povos sudaneses como adoradores/temedores de deuses árvores, a quem ofereciam sacrifícios regularmente. Diz ele:
Le culte des arbres est très répadu parmi les tribus du Soudan français ou Sudan occidental. Chez les Bobo, par exemple, au temps des semailles, le chef du village fait des sacrifices dans les champs aux premiers grands arbres qui se trouvent être lá. Chacun de ces arbres représente à la fois la Terre et la Forêt, deux divinités importantes et puissantes qui, dans l‟esprit du Nègre, ne forment qu‟une seule grande divinité (FRAZER, 1952, p. 117).
Se pensarmos que o processo de sedimentação dessas religiões no Brasil sofreu grande influência do sincretismo católico, é prudente dizer que as associações feitas e vividas pelos antigos com os santos católicos, podem ter acelerado e dado feições mais maduras para a antropomorfização dos orixás. Quando se fazia equivaler os orixás aos santos católicos, a eles estava sendo atribuída identidade “humana”, e, embora isto não levasse ao apagamento da relação com a natureza, entretanto, ela poderia se fortalecer num viés privilegiado, ou seja, o da posse.
O efeito de sentido que as marcas do discurso sublinhadas (ver quadro 02) deixam transparecer (postas pela palavra “dono”) é de que a natureza é a “casa” dos orixás, ou seja, há uma distinção, mas a relação não é simplesmente de qualquer tipo de posse. “Casa” aqui parece aproximar-se do sentido encontrado no vocábulo latino (domus8) o qual designa não apenas o local de residência, mas também todas as propriedades e pessoas colocadas sob o poder (dominium) do chefe de uma família extensa9. Neste sentido, a palavra “dono” (dominus) aparece vinculada a uma relação complexa que inclui a posse, mas que a ultrapassa assinalando também relações de pertencimento afetivo e respeito10. Pensado dessa maneira o orixá se apresenta como o “dono” de uma família extensa a qual inclui e vincula pelo pertencimento comum à divindade, tanto humanos (o orixá é o “dono” da cabeça), quanto elementos naturais (folhas, água, pedras etc. que também pertencem a um determinado orixá). Neste sentido, “pertencer” a um determinado orixá se torna a afirmação de um parentesco mítico entre homem e natureza, mediado pela ligação com a divindade.
Quando se escolhe a palavra “casa” para comunicar o significado da relação, o processo de escolha leva junto os sentidos e os sentimentos que a cultura imprime ao significado. Assim, a casa é o lar, é inviolável, é sagrado, é onde moramos e onde mantemos relações de intimidade muito intensa. Pensemos no que diz Da Matta sobre a casa ao opô-la à rua. Neste sentido, “casa” e “dono” podem ser vistos como uma única coisa, daí entendermos que a dissociação não é radical.
Parece que a natureza está para o orixá, assim como nós estamos para o nosso próprio corpo. Ainda que nos refiramos ao corpo como nossa posse, ela se diferencia da posse que temos de outros objetos, pois nós também somos o nosso corpo, estamos metidos nele. Essa metáfora do corpo nos permite entender melhor a aparente contradição que alguns podem perceber sobre a relação entre candomblé e natureza. Os deuses que cultuam são ou não são natureza? Se são vistos como donos da natureza, isso significa que estão separados dela. Poderíamos utilizar a mesma sistemática e perguntarmos se somos um corpo ou se temos um corpo. Embora a maioria incline-se para a segunda parte da questão, dificilmente alguém irá se perceber sem ser um corpo. De fato, esta colocação parece estar em perfeita sintonia com as visões de mundo consideradas holísticas. Lembramos ainda que diferenciação não é sinônimo de hierarquia e dominação; há muitas maneiras de se viver a alteridade.
Desse modo, as duas formas de perceber o orixá em relação à natureza (expressas nos quadros 01 e 02) não se excluem, pelo contrário se complementam perfeitamente, algo que parece ser característico de uma visão de mundo que não se estrutura pelos princípios da razão ocidental, e que não é antropocêntrica, tal como dizem vários autores sobre a cosmovisão africana (Barros, 1993; Santos, 2002; Bastide, 2001; Oliveira, 2003 etc.). E mesmo que muitas vezes os entrevistados digam que os orixás são donos de determinados domínios da natureza, ou a interpretem como a casa dos orixás, essa noção de posse é bastante diferenciada daquela que sustenta a visão dicotômica da modernidade ocidental. Ser dono de determinado domínio da natureza, não a coloca como algo inferior ao orixá, ou mesmo algo que lhe seja estranho, ao contrário indica uma relação de pertencimento mútuo.
3. Religiões Afro-Brasileiras e Ética Ecológica
Analisamos anteriormente os diferentes modos como a natureza é percebida e cultuada dentro das religiões de matriz africana. Nesta perspectiva, pusemos em destaque as relações entre os orixás e a natureza destacando as duas concepções presentes neste universo: aquela que os identifica ao mundo natural e a que os distingue estabelecendo uma relação de posse dos primeiros sobre a última. Vale salientar que estas posturas que diferenciamos apenas por comodidade expositiva, não são necessariamente opostas, podendo ser expressas no depoimento de um mesmo adepto.
Tendo explorado essas concepções, podemos nos perguntar: Quais seriam então as relações passíveis de serem estabelecidas entre as religiões afro-brasileiras e a perspectiva ético-ambiental? Para refletir sobre essas relações, é preciso em primeiro lugar chamar a atenção para a pluralidade que ambos os termos apresentam. No caso das religiões afro-brasileiras a já discutida diversidade das suas manifestações constitui um dado que desautoriza generalizações de caráter muito amplo. Algo semelhante ocorre em relação ao movimento ambientalista, o qual comporta visões de mundo extremamente diferenciadas entre si, tornando difícil uma apresentação sucinta das suas tendências. Um bom resumo das diferentes perspectivas envolvidas neste debate é apresentado por Aguiar (2003) ao traçar um quadro histórico das visões dominantes sobre os problemas ambientais.
Ao abordarmos as mudanças nas figuras dos discursos ecológicos sobre os riscos ambientais, podemos distinguir três percepções diferenciadas. Na década de 60, os problemas relativos ao meio ambiente eram percebidos como resultante de uma “crise de participação” e a luta política do movimento ecológico centrava-se no acesso aos recursos naturais e sua distribuição para os setores socialmente excluídos. Depois do relatório do Clube de Roma/MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo-72), a perspectiva da questão ambiental na década de 70 passa a ser de uma “crise de sobrevivência”. Os desequilíbrios ambientais eram entendidos como um problema de escassez, pois se postulavam limites insuperáveis para a exploração e uso dos recursos naturais visando à expansão material ilimitada da sociedade. A partir da década de 80, essa percepção radicaliza-se: agora, a crise ambiental - marcada pelos perigos insuportáveis dos riscos globais - é tomada como um sintoma de uma “crise cultural” ou “crise de civilização”, sendo vista como o momento oportuno para superar a ética de valores materialistas e a racionalidade instrumental que construíram a Modernidade. (AGUIAR, 2003, s/p.)
Embora apresentadas acima numa perspectiva cronológica, estas diferentes percepções sobre a natureza dos problemas ambientais e conseqüentemente sobre a forma de enfrentá-los continuam a se fazer presentes no movimento ambientalista hoje tornando-o uma espécie de amálgama de posições distintas. Como forma de ilustrar este continuum de posicionamentos analisaremos duas perspectivas bastante diferenciadas. A primeira é a chamada ecologia democrática, defendida, entre outros, pelo filósofo francês Luc Ferry. Para ele, a ecologia hoje se transformou numa moda, que na verdade, exprime uma frustração ou descontentamento em relação à modernidade, ao ocidente, ao capitalismo e a técnica. Nesse sentido, a ecologia no fundo se comportaria como uma espécie de nostalgia romântica de um passado perdido. Em contraposição a esta visão romântica, Ferry congrega-nos a reconhecer que “o homem é um ser de antinatureza por excelência” (1994, p. 50). Por isso mesmo, foi capaz de libertar-se dos ciclos naturais e aceder à esfera da cultura. Sua concepção não atribui nenhum valor intrínseco (um status de sujeito de direitos) ao meio ambiente, que é visto por ele como sendo apenas o entorno, sempre determinado pela ação do homem, que não deve degradá-lo, uma vez que sofrerá as conseqüências. Dessa maneira não há porque se falar em ética na relação com a natureza, já que “(...) toda valorização, inclusive a da natureza é obra dos homens e, que, por conseguinte, toda ética normativa é de algum modo humanista e antropocêntrica” (FERRY, 1994, p. 172).
Aqueles que defendem que os seres da natureza possuem um valor em si mesmos esquecem comodamente que:
(...) são eles, os seres humanos quem valoriza a natureza e não o inverso, que é impossível fazer abstração desse momento subjetivo ou humanista para projetar no próprio universo um “valor intrínseco” qualquer (Idem).
Na visão defendida por Ferry, a preocupação ecológica não traz consigo nenhuma necessidade de retorno do sagrado, re-espiritualização ou algo semelhante. Não se trata de questionar o modelo de civilização e, sim, de aperfeiçoá-lo, com leis que coíbam a exploração dos recursos naturais e com soluções técnicas que reduzam o impacto ambiental do nosso estilo de vida. É nesta perspectiva que a ecologia democrática se coloca como alternativa à crise ambiental. Longe dos radicalismos e protestos contra a modernidade e:
(...) reconciliada com o Estado, que lhe dá ministros, com a democracia que oferece a possibilidade de mudança sem violência, a ecologia se integra finalmente no mercado, que se adapta com toda naturalidade às novas exigências dos consumidores. A floresta é ameaçada pelos gases de emanação de veículos de combustão interna? Não seja por isso: serão construídos catalisadores mais caros, mas menos poluentes (FERRY, 1994, p. 189. grifos nossos).
O autor conclui o seu raciocínio reconhecendo a ecologia como uma força política, capaz de constituir uma alternativa viável de poder em vários países, mas chamando a atenção para a necessidade de uma escolha. Segundo ele: “Política, a ecologia nunca será democrática; democrática deverá renunciar às miragens da grande política” (Idem, 189), o que implicaria em assumir uma atitude que ele classifica como reformista.
No outro extremo do espectro do movimento ambientalista temos a ecologia profunda ou deep ecology. Para esta corrente é impossível pensar alternativas para a crise ambiental sem o questionamento do modelo hegemônico de civilização desenvolvido no Ocidente. De acordo com Pelizzoli (2003), a proposta da ecologia profunda “inspira-se numa visão integradora (holística), numa construção ou
recuperação ou até re-ligação da harmonia humana em conjunção com o ambiente vivo” (p. 45). Na opinião de um dos seus mais conhecidos defensores, o físico e ecólogo Fritjof Capra, uma das suas características centrais é o fato de que:
A ecologia profunda faz perguntas profundas a respeito dos próprios fundamentos da nossa visão de mundo e do nosso modo de vida modernos, científicos, industriais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual somos parte (CAPRA, 1998, p. 26)
Sob esse ponto de vista, a crise ambiental constitui apenas um aspecto de algo mais profundo: a crise de um modelo de civilização baseado na noção de progresso material e desenvolvimento econômico ilimitado, apoiada pela fé nas conquistas da tecnociência. Trata-se, portanto, de uma crise “profunda, complexa, multidimensional que afeta todos os níveis da nossa vida” (CAPRA, 1998, p. 23) e que só pode ser superada a partir de uma mudança do “paradigma social”, entendido por ele como:
A constelação de concepções, valores, percepções e práticas, compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a qual constitui a base do modo como a sociedade se organiza. (CAPRA, 1998, p. 25).
Capra diferencia fortemente a ecologia profunda da perspectiva defendida por Luc Ferry, a qual ele chama de ecologia rasa. No seu entendimento:
A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados fora ou acima da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui um valor apenas instrumental, ou de “uso” à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela vê o mundo como não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da teia da vida (CAPRA, 1998. p. 26).
Nesta perspectiva, a ecologia profunda se caracteriza por um questionamento radical dos valores que fundamentam nosso estilo de vida, visto como predatório e consumista. É esse questionamento que leva alguns ecologistas profundos a refletir sobre a necessidade da elaboração de uma nova ética, capaz de dar forma a essa transformação cultural. Neste processo, as diferentes tradições religiosas são chamadas a dar a sua contribuição. Na verdade, o tema do retorno ao sagrado e da necessidade do estabelecimento de uma religação espiritual com a natureza se constitui numa das recorrências no pensamento de muitos dos defensores dessa corrente.
Vale salientar que as duas posições apresentadas acima constituem pólos extremos de um movimento que apresenta muitas concepções intermediárias. Falando de forma genérica é possível agrupar as muitas posições presentes atualmente no pensamento ecológico em duas grandes perspectivas: a visão ecológica antropocêntrica preocupada com o bem-estar do ser humano e a visão ecológica ecocêntrica voltada para o equilíbrio dos processos que envolvem toda a ecosfera. Embora a primeira vista pareça tratar-se, apenas, de uma diferença de ênfase, a distinção entre as duas propostas reside, na verdade, no ponto de partida a partir do qual cada uma encara a problemática ecológica. Na primeira, parte-se do homem e dos seus interesses, avaliando as demais formas de vida, basicamente, a partir do critério da sua “utilidade” (presente ou futura) para a espécie humana. Na segunda, parte-se do reconhecimento do direito intrínseco de cada ser à vida, bem como, da complexa teia de relações que vincula cada forma de vida às demais e ao planeta como um todo.
No caso das religiões afro-brasileiras, podemos perceber claramente nos depoimentos coletados esta concepção de uma natureza viva dotada de poder (axé) com a qual os adeptos se relacionam através de um código estrito de regras no qual a importância do respeito/permissão e a necessidade da reciprocidade constituem elementos centrais. A exigência destas atitudes pode ser entendida se nos remetermos à experiência descrita por Lévy-Bruhl ao falar do modo como a mentalidade primitiva percebe a natureza. De acordo com ele, para o homem primitivo:
A natureza em meio a qual vive aparece a ele sob um outro aspecto. Nela todos os objetos e todos os seres estão implicados em uma rede de participações e exclusões místicas são as que fazem sua moldura e ordem. (LÉVY-BRUHL apud ROCHA, 2009, p. 70)
Assim concebida a natureza e todos os seres nela implicados tornam-se “pessoas”, seres autônomos e comunicativos com os quais se estabelecem relações sociais. Estas relações tanto podem ser de inclusão como aquelas que vinculam o adepto às pedras, ervas e outros elementos naturais, vistos como a manifestação do seu orixá quanto de exclusão como os tabus e as quizilas que proíbem determinados contatos. O que importa ressaltar é que a existência da relação em si, pressupõe o reconhecimento de uma identidade de substância que perpassa todas as esferas do real: os seres humanos, a paisagem natural, os animais, os mortos e o cosmos. Todos são interligados porque compartilham de uma mesma experiência sensível. Todos são “vivos”, uma vez que são habitados por uma vibração que, é em última instância, a fonte e a materialização de toda a vida. Todos são “pessoas” e formam, juntamente com os seres humanos, uma comunidade viva.
É esta presunção de uma identidade comum entre o homem e o mundo, que leva Edgar Morin a afirmar que nesse pensamento, nesse sistema de relações, o universo é povoado por espíritos que são “concebidos de modo antropozoomórfico [enquanto] os seres humanos são concebidos de modo cosmomórfico, isto é feitos do mesmo tecido que o universo”. (MORIN 1997, p.333). Algo semelhante é dito por Roger Bastide ao definir o candomblé como um “sistema de participações” entre os seres humanos, as coisas e os orixás. Diz ele:
Das inúmeras obrigações rituais aos atos mais espontâneos que marcam a rotina dos terreiros, neste sistema cosmológico tudo está em interação como espaço, o tempo, os objetos, as comidas, os fenômenos naturais, os vegetais, os animais, os minerais, os mortos, o vestuário, o corpo. (BASTIDE apud ROCHA, 2009, p.73)
Enfim, ecologicamente falando, podemos afirmar a existência de uma profunda interação entre os seres e os objetos que povoam o cosmos das religiões afro- brasileiras. Esta concepção de um mundo vivo habitado por pessoas com as quais o homem deve estabelecer relações constitui uma das características centrais das religiões chamadas “cosmobiológicas”. Nestas tradições, o divino é percebido como estando inserido no mundo físico e não como algo pertencente a um plano distinto, como acontece nas tradições “teístas”, que tendem a considerar a divindade como transcendente à materialidade do mundo. Embora se trate de duas atitudes profundamente religiosas, a cosmobiologia tende a colocar o sagrado dentro do mundo fisico, enquanto o teísmo o situa fora dele. Por perceber o universo (cosmos) como uma multiplicidade organizada de seres vivos (bios), a cosmobiologia implica na idéia de uma submissão do homem a uma ordem cósmica na qual tanto ele como os demais seres vivos encontra o seu lugar. No teísmo, ao contrário, o centro de referência já não é mais o mundo e a ordem cósmica que ele expressa, mas, sim uma pessoa divina e absoluta, da qual apenas os seres humanos são considerados semelhantes.
É importante salientar que embora estejamos contrastando, para efeito de análise, estas duas atitudes religiosas, elas configuram, na realidade “tipos ideais” que não possuem uma correspondência inequívoca com as manifestações religiosas concretas. Não existe uma tradição religiosa puramente teísta ou cosmobiológica, mas antes variadas formas de articulação entre essas perspectivas que se fazem presente nas diferentes tradições e em suas variantes.11 Neste sentido, talvez fosse mais acurado pensar nelas em termos de continuum do que de oposições. Entretanto, permanece como um critério distintivo a predominância de uma ou de outra percepção do divino e da sua relação com a natureza e o mundo físico. Desse modo, podemos afirmar que as tradições de matriz africana constituem-se em religiões predominantemente cosmobiológicas, enquanto as de matriz judaico-cristãs apresentam-se como predominantemente teístas.
Ambas as atitudes religiosas (e seus muitos matizes) se fazem presentes hoje na discussão da temática ambiental. Nos últimos anos vem se consolidando dentro do movimento ecológico um reconhecimento da importância da dimensão ética no debate ambiental e da necessidade de superação de uma ética antropocêntrica que vê os demais seres vivos como objetos que o homem pode explorar em função dos seus interesses. No bojo dessa preocupação, as diferentes tradições religiosas têm sido chamadas a contribuir com sua visão de mundo para a construção de uma nova ética que estabeleça outro modo de relação entre a humanidade e os demais seres. Para Pelizzoli, por exemplo:
As religiões entraram, então, em vista da sua importância capital, nesta virada ecoética, ainda mais que abordam diretamente o sentido da vida, seja de molde ontológico, cosmológico ou teológico. O cristianismo apesar das suas dívidas (dicotomias) na questão, e o budismo (assim como todas as grandes religiões) mostraram que têm uma palavra não apenas secundária, mas primacial para estabelecermos o novo tempo ético e ecológico (PELIZZOLI, 2003, p. 184)
Embora se trate de uma aproximação delicada a vinculação entre movimento social e religião existe dentro de uma parcela do movimento ecológico uma tendência a entender a incorporação da dimensão espiritual e a defesa do valor sagrado da natureza como “uma necessidade geral do ambientalismo para completar o seu ciclo evolutivo” (LEIS, 1999, p. 188). Esta posição é muito mais forte nas correntes ecológicas ligadas a ecologia profunda, uma vez que:
Toda a questão de valores é crucial para a ecologia profunda, ela é de fato a característica central que a define, ela baseia-se em valores egocêntricos (isto é, centrados na Terra) É uma visão do Mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres são membros de Oikos-Lar Terreno, a comunidade une-se numa rede de interdependências. Quando essa percepção tornar-se parte da nossa consciência cotidiana, um sistema ético radicalmente novo emergirá (CAPRA, 1998. p. 54).
Nesta busca pela constituição desse novo sistema ético, as religiões cosmobiológicas, também chamadas “religiões da natureza”, trazem uma contribuição específica. Sua concepção de uma natureza viva e sagrada encarada como manifestação da divindade e a percepção do homem como mais um elemento do sistema cósmico, tudo isso as torna particularmente próximas da realização de uma ética ecológica entendida como sendo “simultaneamente, uma estética de si e um cuidado do mundo.” (AGUIAR, 2003). Por conta disso, religiões como o hinduísmo, o xintoísmo, o xamanismo nativo-americano e as tradições neo-pagãs, entre outras, têm sido encaradas como fontes de inspiração para a formulação de uma ética ecológica. É o que pensa, por exemplo, Hector Leis (1998) para quem:
Um ambientalismo laico não tem condições de perceber as causas profundas da crise ecológica, nem de avaliar a sua gravidade (...). A crise ecológica não tem alternativas realistas fora de um ambientalismo sustentado numa ética complexa e multidimensional que recupere o sentido de fraternidade, o sentido espiritual da vida social e natural. (LEIS, 1994, p. 83)
Esta mesma perspectiva se faz presente na análise de Jose Jorge de Carvalho (2005) para quem apenas a dimensão do sagrado pode colocar um limite à busca desenfreada pelo lucro e a exploração predatória da natureza. Para este autor, o Brasil se apresenta como dotado de grandes possibilidades de contribuir para uma mudança global, uma vez que não só detém uma parte da natureza intacta do mundo como conta também com tradições sagradas que a reverenciam (entre elas o candomblé, o xangô e as religiões indígenas). Em sua opinião:
São as religiões da natureza, as religiões xamânicas, as religiões de origem indígena e africana com seus cultos aos ancestrais e às manifestações naturais, as que podem educar as gerações futuras de seres humanos para co-habitar com outros seres vivos na terra sem destruí-los e sem destruir a própria terra (CARVALHO, 2005, p.18).
Apesar do que afirma o autor acima, as religiões afro-brasileiras também encontram problemas em tornar efetiva sua possível contribuição para a reflexão ecológica. Dois deles poderiam ser destacados. Em primeiro lugar, chamamos a atenção para a presença de uma perspectiva mágico-utilitária na sua relação com a natureza. Nessa perspectiva, a necessidade de preservar aparece como estando diretamente vinculada ao papel crucial que a manipulação dos elementos naturais desempenha nos rituais religiosos, realizados em benefício dos adeptos e/ou da comunidade. Nesta ótica, a natureza é encarada como uma fonte de energia que pode (e deve) ser utilizada pelo homem em seu proveito. Esta perspectiva utilitária se faz presente no mito de Ossaim12 no qual a preocupação em não destruir a natureza aparece claramente vinculada à utilidade que esta apresenta para os seres humanos. Esta postura também fica evidente na medida em que os adeptos expõem as suas preocupações ambientais: a preocupação é sempre com a preservação das espécies consideradas sagradas e utilizadas nos rituais. Não se trata da proteção das espécies vegetais pelo seu valor intrínseco ou pelo seu direito à vida, mas, sim, da preservação do iroko (gameleira); do okiká (cajazeira) do apaoká (jaqueira), do baobá, da jurema, etc., ou seja, das árvores consideradas sagradas dentro da tradição religiosa, além das ervas tão cruciais para a realização dos rituais mágico-religiosos.
Também as condições necessárias à eficácia do ritual merecem atenção. Como já destacamos não basta apenas o poder concentrado nos elementos naturais. Este poder existente no mundo natural em potência necessita da ação humana para ser atualizado. Esta operação exige o conhecimento dos elementos associados a cada orixá, das fórmulas (palavras de poder) e da manipulação correta das plantas e ervas, entre outras habilidades que, em conjunto, concedem ao sacerdote/feiticeiro o domínio sobre os elementos naturais que lhe permite extrair destes a força mágica necessária à obtenção dos seus objetivos. Observe-se que a lógica subjacente a esses procedimentos se assemelha à postura preconizada no começo da idade moderna, por pensadores como Francis Bacon, de que o papel da ciência seria o de extrair da natureza os seus segredos em benefício da humanidade. Neste sentido, magia e técnica se aproximam em seu anseio de submeter a natureza e moldá-la de acordo com os fins humanos.
Por fim, uma última dificuldade que parece existir para a formulação de uma ética ambientalista baseada na cosmovisão das religiões afro-brasileiras, diz respeito exatamente ao sentido atribuído a palavra “ética”. As religiões afro-brasileiras de modo geral, e o candomblé em particular, já foram definidas como religiões a-éticas. Justificando esse posicionamento, Reginaldo Prandi (1996) contrasta os dois tipos de religião dizendo que:
Nas religiões éticas, a mística extática, a experiência do transe (que é o caso do candomblé), dá lugar á idéia de dever, retribuição e piedade para com o próximo, que é o fundamento religioso e da religião do modo de vida, a razão da existência e um meio de salvação. A transgressão deixa de estar relacionada à impropriedade ritual para ser a transgressão de um princípio ético, normativo. Nesse tipo, a religião é fonte e guardiã da moralidade entre os homens, já que deus é potencia ética plena e em si. Nas religiões mágicas, ao contrário, não há a idéia de salvação, a de busca necessária de um outro mundo em que a corrupção está superada, mas sim a procura de interferência neste mundo presente através do uso de forças sagradas que vêm, elas sim, do outro mundo (PRANDI, 1996, p. 29. grifos nossos).
Embora o próprio autor reconheça a presença no candomblé de elementos dos dois tipos de religião, em sua opinião este se caracteriza predominantemente como uma religião a-ética na qual:
Os deuses nunca chegam a ser potências éticas que exigem e recompensam o bem e castigam o mal; eles estão preocupados com a sua própria sobrevivência e, para isso, com o cuidado de seus adeptos particulares (PRANDI, 1996, p.30).
Para ele, a umbanda, através do kardecismo, herdou elementos da ética cristã como a idéia de uma luta entre o bem e o mal a qual se contrapõe a também herdada concepção africana de que bem e mal podem estar juntos e que tudo tem um lado bom e um lado mau. Desse modo:
A umbanda absorveu do kardecismo algo do seu apego às virudes da caridade e do altruísmo, assim fazendo-se mais ocidental que as demais religiões do espectro afro-brasileiro, mas nunca completou esse processo de ocidentalização ficando a meio caminho entre ser religião ética, preocupada com a orientação moral da conduta e religião mágica, voltada para a estrita manipulação do mundo. (PRANDI, 1996, p. 13-4)
Essa contradição teria sido sintetizada na umbanda através da existência de dois panteões distintos e interrelacionados: o dos caboclos e pretos velhos de um lado e o dos exus e pombas-giras do outro. O fato marcante é que apesar dessa divisão é sempre possível ao fiel apelar para um ou outro conjunto de espíritos de acordo com a sua necessidade. No caso do candomblé: O próprio movimento recente de abandono do sincretismo católico leva a certo esvaziamento axiológico, esvaziamento de uma ética, ainda que tênue, partilhada nas comunidades de candomblé antigas, emprestada do catolicismo ou imposta por ele, uma vez que as questões de moralidade foram um terreno que o catolicismo dominador reservou para si e para seu controle no curso da formação religiosa no Brasil (Idem, p.31).
A análise reproduzida acima merece alguns comentários. Em primeiro lugar, concordamos com o autor quando este chama a atenção para a centralidade do pacto individual celebrado entre o adepto e a divindade dentro das religiões afro-brasileiras. Pacto no qual cabe ao primeiro fornecer aos deuses os cuidados que aumentam a sua energia e propiciam a sua sobrevivência e a estes atender o fiel nos seus desejos e necessidades mundanas, estejam eles de acordo ou não com os ditames da moralidade socialmente estabelecida. Neste sentido, entende-se a dificuldade que teriam candomblé e umbanda de gerar, a partir da sua visão de mundo, um código de conduta moral a ser colocado acima dos interesses individuais dos adeptos.
Entretanto, vale à pena chamar a atenção para o fato de que o modelo de religião ética apresentado por Prandi parece ser por excelência, o das religiões teístas voltadas para a idéia de um mundo perfeito existente no além, longe da materialidade dos fenômenos físicos. A possibilidade de que a religião forneça um fundamento axiológico para a conduta humana aparece no seu raciocínio como algo vinculado a idéia de salvação entendida como a rejeição deste mundo (e suas tentações materiais) em favor de outro, livre da corrupção e da morte. Vistas por este ângulo, as religiões cosmobiológicas com suas divindades diretamente vinculadas a elementos e/ou fenômenos naturais e sua rejeição da noção de bem e mal absolutos poderiam ser consideradas a-éticas, uma vez que não tenderiam a inspirar ideais de renúncia aos prazeres da vida terrena13. Considerando que dentro desta cosmovisão, o outro mundo é exatamente este mundo físico, o qual também é habitado pelos deuses e pelos ancestrais, que sentido haveria na idéia de viver uma vida ascética esperando, como recompensa habitar um outro mundo em companhia da divindade após a morte?
A dificuldade apresentada pela classificação de Prandi parece residir numa abordagem restrita do termo ética e seu significado. Como destaca Pelizzoli (2003) “as nossas concepções de mundo humano e de ética até bem pouco tempo atrás tinham grandes dificuldades em contemplar seriamente a natureza como tal”. (p.88). O agir ético então, era pensado apenas nas relações entre os homens considerados como sujeitos excluindo-se o mundo não humano, que se apresentava como objetificado. Esta situação começa a mudar, exatamente, a partir da ruptura causada pela emergência do pensamento ecológico. Se anteriormente as questões éticas só se aplicavam às relações entre indivíduos, a percepção da natureza como sujeito de direitos, como preconiza a ecologia profunda, propicia a emergência, portanto, de um Direito e de uma Ética ambientais, ainda que se reconheça, como o faz Hans Jonas, o fato de que a natureza possui um “direito moral próprio”, pelo qual ela própria aplica sanções às agressões sofridas pela ação humana (JONAS apud RUSCHEL e MELO, 2005, s/p). Pelizzoli (2003) define essa ética ambiental ou ecoética como “sendo o comportamento humano ideal em relação à natureza” (p.89). Na sua concepção, o termo “ética” diz respeito:
(...) não apenas as normas morais e comportamentos, mas em formas de conhecimento (que são sempre relações), visões de mundo; daí a cosmologia, a ontologia e a antropologia envolvidas, a saber visões de sentimento do mundo/universo, do ser/essência e do humano/ético. Aqui, um sentido para o universo está em jogo, mesmo que isso não possa ser decidido, ou ainda, “definido”, acabado ou dominado por alguém ou pela soma de muitos (PELIZZOLI, 2003, p. 12).
Se adotarmos esta perspectiva, veremos que as religiões afro-brasileiras com sua cosmologia, seu sentido de sacralidade associado à natureza, suas divindades simultaneamente natureza e cultura possuem não apenas uma ética ambiental própria como também uma efetiva contribuição a oferecer na construção de uma ecoética que respeite a diversidade tanto humana quanto natural.
E verdade, porém que esta reflexão é ainda incipiente entre as vozes públicas ligadas às religiões afro-brasileiras, mesmo em se tratando do candomblé que aparece no momento atual como o grande interlocutor no campo religioso afro-brasileiro. Conforme destacamos anteriormente, mesmo quando vão além das disputas com os ambientalistas sobre o aspecto lesivo ou não das oferendas religiosas, as preocupações ecológicas manifestas pelo povo de santo se atém à preservação das espécies e espaços sagrados, não chegando a se constituir numa reflexão sobre a conduta humana em relação à natureza. Entretanto é importante frisar que embora não haja uma reflexão sistematizada sobre o tema, a noção de contrato entre o homem e o mundo natural (marcado pelas noções de respeito e reciprocidade) constitui um indicador da importância dessa relação, além de nos permitir intuir as bases sob as quais ela é vivida.
Para se pensar a possibilidade de transformação das noções de respeito, reciprocidade, reconhecimento da sacralidade da natureza e, mesmo de submissão ao seu poder em uma reflexão e uma postura ecológica próprias do pensamento religioso afro-brasileiro, é preciso pensar também as condições sociais de expressão desses atores. As possibilidades de entrada em cena das comunidades religiosas afro-brasileiras no debate ambiental são diretamente afetadas pela sua condição de subalternidade dentro da sociedade englobante. A sua participação no debate, com a conseqüente generalização de uma preocupação ecológica internamente ao campo religioso, depende fortemente de uma ampliação da discussão sobre a questão ambiental no país. Uma ampliação que traga consigo o engajamento de outros atores, particularmente aqueles ligados as camadas populares. O que equivale a dizer que enquanto corresponder a preocupações vinculadas às camadas médias e altas da sociedade brasileira, o movimento ambientalista não conseguirá incorporar as religiões afro-brasileiras e a contribuição cosmológica e ecológica que elas aportam.
Esta contribuição, entretanto implica também numa mudança de valores entre os adeptos das religiões afro-brasileiras. Para além da valorização romântica da diferença é preciso pensar sobre o modo como se dá a inserção das religiões afro-brasileiras e dos seus praticantes dentro da sociedade brasileira e suas possíveis conseqüências. As marcas associadas à vivência cotidiana do preconceito e da violência não apenas simbólica, mas também literal praticada, não poucas vezes pelos próprios agentes públicos etc., tudo isso marca um lugar determinado para a religião, suas práticas e sua cosmovisão: o da subalternidade.
Esse modo de inserção tem influências determinantes nos valores, na vivência e na cosmovisão dos adeptos. Já chamamos a atenção para uma destas influências quando discutimos o processo de afirmação do candomblé como uma religião autônoma. Vimos como, apesar dos intensos esforços desenvolvidos no sentido da dessincretização, da desvinculação do catolicismo, os defensores da autonomia religiosa buscam construir para o candomblé uma estrutura eclesial que reproduz àquela da religião dominante (praticando assim uma forma mais sutil de sincretismo). Do mesmo modo, a relação com a natureza também é diretamente influenciada por esta condição. Como afirmaReginaldo Prandi, a r eligião dos orixás foi refeita no Brasil por africanos e descendentes vivendo sob a dominação do mundo católico e seus valores. Conforme explica:
As religiões afro-brasileiras mais antigas foram formadas no século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada no País e a fonte básica de legitimidade social. Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável, antes de mais nada, ser católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além dos rituais de seus ancestrais, freqüentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o catolicismo perdeu a condição de religião oficial. (...). Desde o início as religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a freqüência aos ritos e sacramentos da igreja (PRANDI, 2005, p. 215-6).
Mesmo deixando de lado as diferenças entre as religiões afro-brasileiras (como umbanda e candomblé, por exemplo) no que diz respeito à extensão da influência católica, podemos supor uma profunda alteração da visão de mundo cosmobiológica iorubana em contato com o teísmo presente no catolicismo14. Assim à visão animista iorubana segundo a qual “as forças sobrenaturais, impessoais estavam presentes ou corporificadas em objetos e forças da natureza” 15 somou-se uma concepção do divino como sendo algo espiritual (sendo o espiritual visto como algo que se opõe e é superior à matéria).
Essa duas visões parecem coexistir no universo religioso e, mesmo no pensamento de um mesmo praticante. Tomemos como exemplo, a insistência de alguns dos nossos entrevistados em explicar que o orixá não come o sangue e/ou a carne dos animais sacrificados, mas antes o aroma, a energia, a essência ou outro atributo qualquer, como se afirma nessa fala:
O que o orixá quer? O orixá quer de uma oferenda não o que está nela. É a sua concentração de energia e o aroma de cada coisa. Só o que ele precisa é disso. Ele não precisa do sólido, do físico. (Pai Marcelo/João Pessoa, p. 301)
Essa perspectiva contrasta explicitamente com aquela segundo a qual o próprio processo de decomposição dos restos do animal é visto como um sinal de que o orixá comeu, ou seja, de que ele aceitou a oferenda, cuja critica feita por um entrevistado reproduzimos aqui:
Antigamente muita gente não ia pro candomblé porque as casas eram muito humildes, muito simples, a higiene era muito pouca, associava sempre o candomblé à sujeira. Inclusive a gente já tem todo um processo de limpeza com questão da imolação que a gente quando tem festa, a gente não faz como antigamente que cortava muitos dias antes para fazer aquela festa e todo mundo chegava e sentia aquele mau cheiro. Quer dizer, às vezes a gente corta um dia antes ou quando cortar um dia antes já leva o pessoal da obrigação porque não tem mais essa coisa “ah, se não tiver o santo comendo as pessoas não vão acreditar”. Isso também já foi tirado que é uma coisa dos antigos, mas foi tirado. Não, o orixá comeu, ele sabe que ele recebeu suas oferendas, então depois de três dias, levantou, pode fazer a festa. Isso não quer dizer que a festa vai dar nada errado! (Pai Cosme/Recife, p. 178-9).
Essas posições expressam posturas distintas: a primeira parece operar sobre uma disjunção matéria/espírito segundo a qual a divindade, ainda que esteja vinculada à matéria, atua num plano distinto e talvez superior (daí não necessitar da realidade física das oferendas). Já a segunda, parece trabalhar com a idéia de que os deuses são o mundo físico e seus processos (incluindo a decomposição e a transformação de uma coisa em outra como expressa a idéia do ciclo). Ambas coexistem e se articulam de diferentes maneiras no pensamento de cada entrevistado.
Note-se, ainda, na fala acima que uma das razões que guiam a crítica à prática de deixar a oferenda exposta para que o orixá possa “comer”, está associada à impressão de sujeira que esta desperta. Novamente isto nos leva a pensar até que ponto buscando ampliar sua legitimidade numa sociedade que expressa, em suas práticas corporais e de higiene, uma total fobia pelos processos naturais e seus odores, o candomblé poderá manter a sua valorização destes processos e seus produtos (sangue, suor, saliva etc.) como veículos transmissores do axé. Nesse sentido, uma análise das mudanças introduzidas no campo da saúde e das práticas do corpo e do papel de fóruns de articulação como a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde poderia ajudar a perceber como se dá a coexistência dessas lógicas distintas.
No caso da discussão ecológica, vemos que o tema tem sido abordado de maneira pouco aprofundada tanto por adeptos quanto por ambientalistas. De um lado, trata-se de resolver o “problema ambiental” das práticas religiosas afro-brasileiras com a disseminação de práticas de manejo das oferendas. De outro, temos a apologia do ecologismo inerente à visão de mundo afro-brasileira, proclamadas como adoradoras da natureza.
Dessa maneira, os praticantes das religiões afro-brasileiras são encarados sob a ótica das dicotomias: ou são adoradores da natureza ou são poluidores e sacrificadores de animais. Dicotomias que constituem a expressão de um modo de pensar que rejeita o hibridismo e não sabe conviver com a dualidade. Que não percebe que utilizar a natureza e seus recursos não implica, obrigatoriamente, numa postura antropocêntrica que não reconhece a presença do divino nestes mesmos elementos, mas pode, pelo contrário, sinalizar uma integração profunda com esta e com os seus processos de destruição e renovação. Neste sentido, cabe uma interrogação a respeito da penetração desses discursos (ambientalista, de saúde etc.) dentro das religiões afro-brasileiras, particularmente do candomblé: será que não está em curso uma recriação destas religiões de acordo com os valores dominante numa sociedade marcada pelas idéias de oposição entre bem e mal; de hierarquia entre os diferentes e de rejeição às misturas e ao hibridismo? As religiões afro-brasileiras, entretanto, se constituíram assim: africanas e brasileiras; cosmobiológicas e teístas. Enfim, mestiças, híbridas, com cada terreiro, cada sacerdote, cada nação reinventando, à sua maneira, essas conjunções. Investigar estas maneiras, ou seja, o modo particular e contemporâneo como o povo de santo articula e cria formas de convivência entre lógicas aparentemente antagônicas, constitui um trabalho fundamental se quisermos realmente assimilar a contribuição trazida pela cosmovisão das religiões afro-brasileiras, ao invés, de ainda uma vez, definir-lhes, a priori, uma identidade ideal, um dever-ser. Nessa linha, talvez seja possível encontrar uma inspiração na explícita valorização do “não puro” – que não equivale a “impuro” – feita por Salman Rusdhie, escritor inglês de origem indiana, autor do livro “Versos satânicos”, condenado pelo Regime implantado pelos aiatolás. Na sua análise sobre a própria obra ele afirma que:
O livro versos satânicos celebra o hibridismo, a impureza, a mistura, a transformação, que vêm de novas e inesperadas combinações de seres humanos, culturas, idéias, políticas, filmes, músicas. O livro alegra-se com os cruzamentos e teme o absolutismo do Puro. Mélange, mistura, um pouco disso e um pouco daquilo, é dessa forma que o novo entra no mundo. É a grande possibilidade que a migração de massa dá ao mundo, e eu tenho tentado abraçá-la. O livro Versos satânicos é a favor da mudança-por-fusão, da mudança-por-reunião. É uma canção de amor para nossos cruzados (RUSHDIE, 1991, p. 394)

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Recebido em 22/10/10 Aprovado em 10/01/11

A relação entre espiritualidade e ecologia profunda será explorada na última parte deste artigo.SANTOS, Jaime Pacheco dos. “Práticas religiosas, meio ambiente e dignidade” In Anais do I Seminário Educação, Cultura e Justiça Ambiental: meio ambiente e espaços sagrados no contexto das unidades de conservação. Rio de Janeiro, 2006, mimeo, p. 106.
Sobre a mitologia e o panteão desses deuses ver Prandi (2001); Verger (1981 e 2000), Bastide (2001); Carneiro (2002); Nina Rodrigues (2005), entre outros.Não confundir Orun com Orum. Este último refere-se a uma divindade, o Sol, ver Bastide (2001, p. 249).
Algumas das expressões demarcadas com aspas são citações de fontes utilizadas pelo autor, para detalhes ver o original.Neste relatório, utilizamos pseudônimos para referenciar a fala dos sujeitos. O número de página que aparece ao lado refere-se ao documento que contém a transcrição dos dados provenientes das entrevistas, do grupo focal e das oficinas.
Os números de páginas que aparece nestes quadros referem-se ao documento resultante da reunião de todas as transcrições feitas das entrevistas, do grupo focal e das oficinas. Referências internas para guiar os pesquisadores na análise.
 Que pode ser traduzido por “casa” não no sentido físico, mas antes relacional. De domus vem, por exemplo, “doméstico” significando aquilo ou aquele que pertence a casa.
Na Roma antiga o termo família compreendia não apenas os parentes (afins e consangüíneos) como também os dependentes servis de um indivíduo.
10 Joly (2007), baseado em Eleanor Dickey (Latin Forms of Address. Oxford: Oxford University Press, 2002, p.77 et seq.), o uso vocativo original de domine(a) deu-se no contexto da interlocução amorosa, por volta do século II a.C., significando que o falante caracterizava-se como posse de outrem. O próximo desenvolvimento do termo foi o uso de domine para membros da família do falante, para referir-se, sobretudo ao pai e avôs de uma maneira respeitosa. Da aplicação aos parentes mais idosos, o vocativo estendeu-se às gerações mais jovens e então se generalizou como um vocativo de tratamento formal, mas sem qualquer conotação de servilismo. Igualmente a aplicação do termo a superiores em relações assimétricas, como aos imperadores, significava também a expressão de respeito por meio da equiparação a parentes próximos, não obstante poder ser caracterizada como servilismo.
11 Como exemplo das diferenciações presentes nas manifestações religiosas concretas, poderíamos considerar que, dentro da tradição cristã, o Catolicismo, particularmente o Catolicismo místico de um Francisco de Assis (patrono dos movimentos ecológicos) ou de uma Hildegard de Bingen, aproxima-se bem mais do que o Protestantismo de uma atitude cosmobiológica.
12 O mito de Ossaim e suas implicações do ponto de vista do pensamento ecológico foi analisado em outro artigo. Para efeito da discussão realizada aqui vale destacar que, de acordo com o mito, é a utilidade das ervas como elemento de cura para as enfermidades humanas (físicas e espirituais) que leva Ossaim a impedir a sua destruição.
13 Observe-se, entretanto que o próprio Prandi relativiza a sua afirmação ao reconhecer na religião tribal ioruba um modelo ético: o da justiça do ancestral (egungum) como fonte de normas para a vida cotidiana. Admite assim a possibilidade de que a religião atue como uma fonte de valores sem obrigatoriamente se reportar a um princípio transcendente
14 Ainda que este seja menos radicalmente teista do que as denominações protestantes, em particular aquelas vinculadas ao chamado pentecostalismo tradicional.15 PRANDI, Reginaldo. Os orixás e a natureza. In  Capturado em 06/09/2007.


Dr. em Sociologia. Professor Adjunto, Universidade Federal da Paraíba. Departamento de Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Sociologia.
** Dra. Em Ciências Sociais/Antropologia. Pesquisadora Adjunta. Fundação Joaquim Nabuco. Diretoria de Pesquisas Sociais.


Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 9, Jan. 2011 - ISSN 1983-2850
http://www.dhi.uem.br/gtreligiao
Dossiê Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades

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