domingo, 19 de junho de 2011

Preconceitos

Leiam a seguir trecho da carta que o antropólogo Sérgio Ferretti encaminhou para os editores da “Revista História” sobre textos preconceituosos publicados no exemplar que se encontra nas bancas (nº 69 de junho de 2011) com o tema “Sociedades Secretas”.

“Em relação à reportagem de capa no Dossiê sobre sociedades secretas, achei muito estranho a forma com que é abordado superficialmente o culto da Jurema. O texto sobre a Jurema na página 24 está até sóbrio, o que está chocante é o título e o enfoque com que a matéria é tratada: Indústria do mistério, mistificação, mais mentiras que mistérios (subtítulo da capa). No título e subtítulos da página 25: "O sucesso do meu segredo, Religiões, sociedades ocultista, criminosos, ativistas políticos, Verdadeiros ou inventados... supostas verdades escondias". O culto da Jurema do Nordeste comparado na mesma página e colocado como em pé de igualdade com a Ku Kus Klan, Carbonária, Templários, Ordem dos Assassinos, Opus Dei, Priorado de Sião e outras Máfias.

Como antropólogo penso que esta mistura provoca mais confusão e amplia o preconceito do que esclarece. Uma religião popular do Nordeste, semelhante à Umbanda do sul ou ao Candomblé da Bahia ou a outras religiões é mostrada como forma de mistificação. Se for verdade, todas as religiões podem ser consideradas como forma de mistificação. Como antropólogo, estudioso da cultura e das religiões populares do nordeste, protesto contra o preconceito que esta excelente revista está contribuindo para divulgar.

Como manifestação de protesto, estou encaminhando cópia desta mensagem a colegas antropólogos do Nordeste e de outros Estados que como eu estudam a religiosidade popular no Brasil pedindo que a excelente Revista de História da Biblioteca Nacional evite colaborar na divulgação de preconceitos culturais e religiosos. Creio que esta posição da RH contribui para implantação de uma "guerra santa" que alguns praticantes de certas religiões atualmente querem desenvolver no país.

De forma similar, no mesmo número 69, a matéria assinada pela Dra Lana Lage da Gama Lima, dra em História pela USP e professora da Universidade Estadual Norte Fluminesne, também pode contribuir para a difusão de preconceitos contra o catolicismo. Todos sabemos que a inquisição perseguiu os padres que cometiam o crime da "solicitação". O título e subtitulo da matéria: Ajoelhou tem que rezar. Nos séculos XVII e XVIII muitos padres aproveitavam o momento da confissão para assediar sexualmente as mulheres", a meu ver pode contribuir igualmente para a divulgação de preconceitos. Sei que a Revista de História gosta de títulos que chamem a atenção do leitor, mas alguns parecem chamar atenção para o escândalo como forma de despertar o interesse do leitor. É claro que é importante o esclarecimento do público e o melhor conhecimento de nossa realidade cultural do passado. Mas atualmente com as críticas à pedofilia, à exploração das mulheres, acho que o tratamento deste tema deveria ser feito com mais sobriedade, sobretudo nos títulos.

É a minha opinião. Continuarei lendo a Revista de História e discutindo com meus alunos e orientandos, mas creio a antropologia nos ajuda a lidar com mais cautela contra os julgamentos de valor".

Atenciosamente,
Sergio Ferretti - Antropólogo - Professor Emérito da UFMA.
http://lassuncao.blogspot.com/2011/06/preconceitos.html


Segue abaixo:

A indústria do mistério

A mitificação das sociedades secretas vem sendo mais ressaltada pela mídia do que a explicação dos enigmas que as rondam

Marco Morel
A indústria do mistério se destaca nas bancas de jornal, telas de computadores e televisões, vitrines de livrarias, painéis de propaganda e nos mais variados meios de (in)comunicação. Espalha-se por toda parte, nas mesas de cabeceira, nas horas de lazer, nas conversas em família ou no ambiente de trabalho.

Em que se baseia esta ampla engrenagem de escala mundial? Mistério, místico, mito, mitificação, mistificação, mitologia. Fabuloso, fábula. História, histórias, estórias. Segredo, sagrado. Palavras fortes com fronteiras fracas e definições difusas são ingredientes de um fenômeno que seduz multidões e fatura incontáveis milhões por meio de narrativas que mobilizam corações e mentes. Como os monstros das culturas antigas, tal indústria se alimenta de anseios ancestrais, desejos atuais e insegurança diante do futuro. O sucesso destas imagens e palavras desafia o pensamento crítico contemporâneo e, particularmente, os historiadores profissionais.

Apontada frequentemente como a mais misteriosa, a maçonaria, entretanto, não é secreta (exceto em momentos de intensa repressão). Mas, sim, discreta, como afirmam seus membros. Os rituais é que são reservados apenas aos “iniciados”: podem ocorrer reuniões às escondidas, mas nem por isso superpoderosas a ponto de controlarem os destinos do mundo. No Brasil existiam publicações assumidamente maçônicas já na primeira metade do século XIX, quando o tema passou a ser tratado abertamente pela imprensa. Desde o pioneiro Hipólito da Costa no Correio Braziliense (1808 – 1822), a maçonaria era referida em centenas de publicações. E várias das entidades, desde então, têm endereço conhecido, placa na porta e publicações periódicas com nomes e fotos de seus membros. Basta dar uma busca na Internet. Além disso, nem todo agrupamento clandestino é maçônico.(...)

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/a-industria-do-misterio



Ajoelhou, tem que rezar

Nos séculos XVII e XVIII, muitos padres aproveitavam o momento da confissão para assediar sexualmente as mulheres

Lana Lage da Gama Lima

Não foi para fazer uma simples visita que Antonio Francisco de Barros procurou Manoel Martins de Carvalho, um representante da Inquisição portuguesa na Capitania de Goiás, em outubro de 1791. Mais do que isso, ele queria denunciar o padre José Correia de Queirós ao comissário do Santo Ofício por ter “solicitado” sua filha durante a desobriga da Quaresma – nesse período, isto é, nos quarenta dias entre a quarta-feira de Cinzas e o domingo de Páscoa, todos os católicos deviam cumprir a obrigação de se confessar. “Resistindo-lhe a penitente”, explicava Barros, “ele a quis violentar, com desordenado e furioso ímpeto de que resultou grande escândalo às pessoas que o presenciaram”. Os dois ficaram a sós num cômodo da casa de Antonio, e, ao ouvir os gritos de Maria Francisca, as pessoas a acudiram e encontraram o confessor “atracado na moça com tão cega fúria que lhe rasgou a saia”.

Uma das formas de violência sexual às quais as mulheres estavam submetidas no Brasil colonial era a investida de padres, que aproveitavam o momento em que ouviam suas confissões para assediá-las, especialmente quando as penitentes revelavam os chamados “pecados da carne”. Como eram delitos cometidos somente por padres, essas práticas – denominadas solicitatio ad turpia ou, simplesmente, solicitação – nunca foram julgadas pela Justiça comum, e sim pela Justiça Eclesiástica, tendo passado, em 1599, ao foro inquisitorial.

Por desqualificar um dos principais instrumentos da Reforma Católica, a confissão anual obrigatória, esse delito causava grande preocupação. O fato de os párocos se valerem de seu poder para saciar seus desejos lascivos comprometia o sucesso do movimento reformador inspirado pelo Concílio de Trento (1545-1563). Na primeira metade do século XVIII, os bispos brasileiros se empenharam em implantar a reforma intelectual e moral do clero, determinada pelo Concílio, que finalmente chegava às terras coloniais.(...)

http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/ajoelhou-tem-que-rezar

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