quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Acupuntura e a triste disputa pelo seu exercício profissional!

 Sou médica generalista há 11 anos e estudante da Medicina Tradicional Chinesa há pelo menos 15 anos, desde que conheci durante a faculdade de medicina o renomado professor Ysao Yamamura, atualmente meu professor na Unifesp.
Devo admitir que, embora os anos de dedicação e estudo, sei muito pouco sobre Medicina Chinesa, imagino então um leigo, que deseja estudar esse assunto, tendo à sua disposição apenas cursos curtos e superficiais, ministrados por escolas independentes, com fins meramente lucrativos. A famosa linha de produção!!! O lamentável é que estas escolas incutem nesses alunos a ilusão de que, com pouco esforço, serão capazes de resolver muito. Ética, responsabilidade, compromisso? 
 A Acupuntura, até a pouco tempo desconhecida e combatida por todos, tornou-se desejada entre os meios acadêmicos e públicos deste país. Criticada, perseguida, difamada, e ainda assim, seu exercício é objeto de disputa judicial há décadas. Contraditório? Vejamos.
A Acupuntura é apenas um dos pilares da Medicina Tradicional Chinesa, os demais são compostos por Alimentação, Fitoterapia, Meditação e Massagem. Com uma estrutura muito simples, ensina que somos o que comemos, pensamos, sentimos e fazemos. Alivia dores crônicas, doenças imunológicas e transtornos emocionais. 
Para os mais intempestivos, a Medicina Chinesa resolve tudo... Mas será de fato essa panacéia e acima de tudo, será inócua?
A acupuntura é a arte de inserir agulhas.  Não basta apenas inserir agulhas em qualquer lugar, mas a arte de inserir supõe que o acupunturista tenha uma gama de conhecimentos e experiências. Ao inserir agulhas, mesmo que aparentemente finas, provoca-se uma reação inflamatória, que envolve inúmeras substâncias. Tudo isso é desencadeado na tentativa de resolver a micro-agressão provocada pela agulha, o que seria a busca pelo equilíbrio perdido. Esta reação tanto pode ser benéfica quanto maléfica. Imagine então, se essa agulha for inserida em lugares não desejáveis. 
O conhecimento anatômico é fundamental, não podemos mais nos contentar com anatomia de superfície. É fundamental conhecimento profundo de anatomia, pois existem agulhas que atingem profundidades importantes, e mesmo as menores agulhas podem atingir estruturas fundamentais e altamente especializadas. E mesmo os médicos mais treinados estão sujeitos a produzir involuntariamente equimoses, hematomas e neurites. 
Se revisarmos a literatura internacional encontraremos desde pequenas lesões, passando por necrose de orelha devido à acupuntura auricular (orelha), até a morte. O Pneumotórax é um acidente que encontramos com freqüência na literatura mundial (só na Noruega, 33 casos). Pneumotórax, para quem não sabe, é a entrada de ar na pleura, membrana do pulmão. Essa membrana tem pressão negativa, como se fosse vácuo. Se for perfurada, ela absorve ar do ambiente e comprime o pulmão até às vezes colabá-lo, podendo levar a grande desconforto respiratório, desvio do outro pulmão, coração e traquéia. Dependendo do tamanho desta compressão pode ser de grande risco de vida. 
Uma lesão arterial nos EUA, provocou na mão de um paciente um hematoma do tamanho de uma bola de golfe. Em uma oportunidade nos EUA e em outra na Inglaterra, epidemias de Hepatite B foram relacionadas à prática de acupuntura sem as devidas regras de higiene.
O pior caso, porém, foi o tamponamento cardíaco, seguido de morte em uma paciente na Noruega, em 1995, com 40 anos e que se queixava de fibromialgia (dores musculares generalizadas, depressão e transtorno do sono). O acupunturista, sem formação médica, atingiu o pericárdio da paciente em uma punção no osso esterno, no meio do peito, entre os dois mamilos. Houve sangramento dentro do pericárdio, comprimindo o coração e conseqüente parada cardíaca. Somente um médico saberia que cerca de 8% das pessoas possui um forâmen (um buraco) no osso esterno do tamanho aproximado de um caroço de azeitona. Esse forâmen costuma ser preenchido por um tecido conectivo espesso, que impede a sua visualização ao Raio-X, mas não impede a penetração de uma agulha. Azar ou despreparo daquele que se aventurou a aplicar uma simples agulhinha no tórax? Azar da paciente que morreu.
Portanto, devemos sim usar do rigor na formação daqueles que vão nos atender. Devemos exigir que eles tenham toda a formação necessária, para no mínimo socorrer o paciente diante da intercorrência, e se for possível, evitá-la.
Quem quiser tratar alguém, que faça Medicina. Chega de discursos politicamente corretos. No Brasil, médico é um aluno que estudou pelo menos 20 anos, passou por processos seletivos rigorosos, e que normalmente continua a estudar o resto dos seus dias.
Vejamos agora como era formado o médico na China.
Normalmente, esse ofício era aprendido dentro dos mosteiros budistas, ou passado pela ancestralidade, de pai para filho, ou de mestre a discípulo, envolvendo muitos anos de dedicação e treinamento. O ensinamento era de transmissão oral, até bem pouco tempo. Pouquíssimos eram os volumes sobre o assunto, datando de 5000 anos atrás o manuscrito mais antigo. Todo o conhecimento era passado pelo Mestre. 
Envolvia, portanto uma linhagem de transmissão, respeito, e muitos, muitos anos de dedicação absoluta. Não existiam cursinhos de um final de semana que prometessem torná-lo um grande curador. Antes de qualquer coisa, ensinavam por meio da filosofia taoísta, o valor do equilíbrio e sua responsabilidade em manusear a energia do próximo e a de si mesmo. Ensinavam que o acupunturista era um curador do corpo e do espírito, e portanto,  tal papel não poderia ser exercido com leviandade.
Por que nos parece que aqui no Brasil as coisas não são assim?
Existem por certo, aqueles que tentam simplificar para enfraquecer, confundir e se apropriar daquilo que tanto criticaram! Leis de Mercado não podem ditar as regras da sociedade, e o bem-estar do povo. A Ética ainda deve pautar nossa conduta como cidadão.

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